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A Rita

  • Foto do escritor: Antonio Augusto Brito
    Antonio Augusto Brito
  • 27 de set. de 2017
  • 2 min de leitura

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Rita já não se aguenta mais.

São 22h30, e a viúva ainda está descendo a Nelson Mandela para chegar ao metrô.

Jáder, o finado, morrera dois verões antes. Afogou-se em Itacoatiara.

Tinha 32 anos.

Maria Flor nem chegara a esboçar o primeiro "papai", coitada.

Uma tragédia que mutilou parte da alma de Rita.

Aliás, voltemos a ela, que, agora, já está na esquina da São Clemente.

Rita trabalha no Botafogo Praia Shopping. É dona de um estande de bijuterias lá.

São 22h37, e, neste momento, ela se aguenta um pouco menos do que outrora.

Depois de deixar Maria Flor na creche às 7h30, trespassou um portal mágico, secreto, e do outro lado a realidade é que um dia dura 33 horas.

Fez uma infinidade de coisas até chegar ao trabalho, às 12h.

Todo dia é assim.

Fato possível graças a essa passagem entre planos cósmicos, com voltas a mais no relógio, que, certamente, toda mãe solteira conhece.

Já na plataforma de Botafogo, Rita embarcou.

No Flamengo, entrou Eduardo.

Tênis, bermuda, boné e uma camisa do Barcelona de questionável origem.

Rita está sentada ao lado da porta, com a bolsa no colo.

Eduardo, na balada dos 20 anos, está em pé, encostado na parede oposta ao assento de Rita.

Ele tira um maço de cigarro do bolso da bermuda.

Rita observa.

Eduardo saca um cigarro e faz menção de levá-lo à boca.

– Você tá de brincadeira que vai acender isso aqui, né? – disparou a mulher.

Eduardo fez que não era com ele, e, em ato tão natural quanto a luz do dia – salve, Charlie Brown Jr! –, levou a nicotina ao suave toque dos lábios.

Rita se levantou, largou a bolsa no chão e foi.

Arrancou o cigarro da boca de Eduardo e deu-lhe um tapa muito do estalado no meio da venta.

Que cena!

O jovem ficou estático, com cara de nada.

Os poucos passageiros se entreolharam, boquiabertos.

Rita voltou ao assento caminhando de costas, sem deixar de encarar o jovem em nenhum momento.

Like a boss.

– Eu estava só fazendo um teste para o meu site de humor... – murmurou Eduardo, a muito custo, segundos depois.

Para surpresa de Rita e minha – assisti a tudo da outra ponta do vagão –, um rapaz próximo à cena se aproxima, mostrando um celular.

– É, gente. Calma. Eu estava filmando aqui para ele... Era só para ver a reação das pessoas numa situação assim...

Tarde demais.

Desmoralizado e incapaz de prosseguir viagem, Eduardo e o comparsa desceram no Largo do Machado mesmo.

Eduardo, que conste nos autos, realmente gerencia um canal no YouTube.

"Dudu Time". Que bosta.

Os vídeos, em sua minoria, têm lembranças de algum humor.

Dizem que largou Farmácia no segundo período para se dedicar ao projeto.

Que bosta.

Mas, calma aí... Onde eu estava mesmo?

Ah! A Rita?

Essa levou o sorriso, os pobres enganos e os vinte anos do Eduardo.

* Marcos Luca Valentim é jornalista, cronista e poeta

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