Política do cocô
- Antonio Augusto Brito
- 6 de set. de 2017
- 2 min de leitura


Diz-se que a proximidade de um casal fica evidente quando escatologias deixam de ser escatológicas.
"Dê dinheiro, mas não dê intimidade".
O corriqueiro adágio dá tom à casa dos De Caroli.
Na família, residente do famoso Espaço São Clemente, na rua homônima, é Sueli quem dá corpo à coprologia.
Certo dia, chegou com Pablo do cinema.
Assistiram à Na Mira do Atirador no Estação Net Rio, na Voluntários.
Foram à tarde, luxo permitido pelas férias do casal.
A tensão do filme agravou o deficiente sistema intestinal da Sueli, de modo que, da porta de casa, a pobre imprimiu rota de fuga até o vaso, na surdina, como quem carrega uma mala com R$ 500 mil pelas ruas de São Paulo.
Tudo, claro, na plena legalidade de sua política do cocô.
Vale tudo para evitar que a calcinha receba beijos amarronzados de uma boca sem lábios.
– Pablo, liga essa TV aí! – gritou a mulher no caminho.
– Pra quê? Tu não vai cagar? Vou beber água, tô cheio de sede...
– Mas liga a TV logo, porque não quero que você ouça o barulho! Pablo, liga logo! – a voz vinha abafada e esbaforida, posto que Sueli já fechara a porta do lavabo e, agora, destroçava os botões da calça que insistiam em privá-la de um dos maiores alívios da Humanidade.
– Eita! Vai ser ruim assim? – Pablo parou com o copo d'água a caminho da boca, com semblante amedrontado. O Armagedom parecia real e próximo.
– Vai, porra! Entupi aquela merda daquela pipoca de manteiga! E aquele filme... Pablo, liga essa TV! – desesperou-se.
Pablo sentiu o peso nas palavras da mulher e acelerou para alcançar o controle remoto.
Chegasse quatro segundos antes, não ouviria Sueli quase desfalecer em dinamites de bosta vaso adentro.
Fingiu que não escutou nada e ligou a TV no volume mais alto, o canal pouco importava.
– Jesus... Pablo! Pablo, tá me ouvindo!
– Oi, amor – respondeu, diminuindo a gritaria da televisão.
– Deixa a TV no último, como estava antes! Estava ótimo!
– Tá bom! – gritou o homem do quarto.
– Tem que manter isso aí, viu? Pelo amor de Deus!
Amém à política.
Do cocô, claro.
* Marcos Luca Valentim é jornalista, cronista e poeta
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