Batalha naval
- Antonio Augusto Brito
- 16 de ago. de 2017
- 2 min de leitura


A suíte de raro aconchego.
A meia-luz em tom envolvente.
O balde suando à medida que o champagne atinge a perfeição.
O odor inebriante.
...
Lucas e Regina se perdiam em cada detalhe da melhor suíte do Panda.
Salgou no bolso, mas justifica-se por dois anos de namoro à data.
A verdade é que todo esse cenário só foi devidamente apreciado cerca de 40 minutos depois do check-in.
Da porta até a cama, foram afobados passos em pernas trocadas, enquanto voavam sapatos, camisa, vestido, calça, calcinha, cueca e pudor – não necessariamente nessa ordem.
Só então, depois, já em volúpia contida, cabeças ladeadas, encararam-se pelo espelho no teto.
As vergonhas cobertas fortuitamente contrastavam com o filme que passava na TV.
– Desliga isso aí, Lucas!
– Nem vi que tinha ligado... Cadê o controle?
– Acho que é esse monte de botão aí na cabeceira.
– Ahn?! Como é que essa mulher...? Quê?! Com cinco?!
– Desliga essa putaria logo, Lucas!
As risadas geradas pelo sucinto diálogo deram lugar à convidativa banheira.
– Vou pegar o champagne. Vai ligando a hidro, Rê.
Se Lucas soubesse que essa frase, essa curta e inocente frase, fosse quase lhe valer a vida...
Regina foi.
O motivo que a levou a acionar a hidromassagem antes mesmo de ligar a água é desconhecido.
Lucas trouxe o balde com champagne e duas taças.
A banheira fazia um barulho estranho, roncando em curtos intervalos e, a cada novo barulho, um pouco de água vazava das saídas de massagem.
No início, pareceu um processo normal.
O casal acompanhava em clima de romance, sentado à beira da banheira, nu.
Mas o fluxo de água foi aumentando...
Aumentando...
Aumentando...
De modo que Regina entrou em pânico.
– Lucas, dá um jeito nisso! A gente vai se afogar nesse quarto! – gritou, enquanto corria para cima da cama tentando vestir o roupão no caminho.
Àquela altura, jatos ferozes jorravam vindos todo e qualquer orifício da banheira.
Era coisa de louco.
Lucas estava lá no meio daquela batalha naval, levando fuzis d'água na cara de baixo pra cima, de cima pra baixo e de um lado para outro, enquanto tentava, de todas as formas, desarmar o motor da hidromassagem.
– Regina, que merda tu arrumou aqui? Puta que pariu!
– Socorro! Lucas, liga pra portaria! Eles têm que chamar os bombeiros, a gente vai morrer!
A mulher estava em cima da cama, se descabelando ao passo que a água invadia toda a suíte.
Gritava coisas aleatórias.
Era um fluxo que só aumentava, batia com força nas paredes de todo o banheiro e se apossava por inteiro do carpete do quarto.
Lucas ainda duelava com as torneiras, nu, sendo estuprado por jatos que não hesitavam em violar seus direitos; o roupão de Regina já estava todo aberto, os seios quicando no compasso do desespero da mulher, cujos cabelos já causavam inveja ao mais vistoso leão da savana africana.
Sabe-se que, em algum momento, o bombardeio hidráulico parou.
Mais de um palmo de água por toda a suíte.
Já eram seis horas da manhã.
O período no motel já chegava ao fim.
Regina não sabia o que dizer.
Lucas peidava água até dizer chega.
O romantismo foi por água abaixo.
* Marcos Luca Valentim é jornalista, cronista e poeta
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