Instinto coletivo
- Antonio Augusto Brito
- 12 de jul. de 2017
- 2 min de leitura


– Eu não posso tirar a roupa!
Quer dizer, até posso.
Mas no momento em que soltei os dizeres, no local onde estava quando cuspi minha ira, não podia.
Passava um pouco das 10h, e o sol, no primeiro contato, era agradável; passados seis minutos, já aquecia incomodamente.
Ou seja: tava quente, bicho.
Mas é falsa essa onda de "ah, o inverno está ótimo, vou tirar aquele cachecol, me embalar num sobretudo siberiano e aproveitar esse frio".
Legal.
SÓ QUE ISSO NÃO EXISTE NO RIO DE JANEIRO.
E essa mentira criada por um povo tropical ávido para ser europeu, que endoida comprando roupa de frio, sem o menor sentido, na queima de estoque, me levou à loucura dentro do Troncal 10.
O enorme para-brisa do ônibus me isenta de engano.
"AR CONDICIONADO", assim mesmo, tudo maiúsculo, estampado em letras brancas.
Entrei.
Eu já começava a me derreter nos 27° da Praia de Botafogo, qual um Chicabon ao sol.
Mas as letras brancas me iludiram.
– Ô, motorista... O ar tá desligado? – perguntei, tão logo passei pela roleta.
– Tá.
– Tem como ligar, não?
– Não! Deixa assim mesmo! – gritou, lá de trás, um homem de camisa regata. E algumas poucas vozes em baixo tom ensaiaram um coro de apoio.
– Tá com frio, parceiro?! Tá com frio?! Bota um casaco! – devolvi, já totalmente dominado pelo sete-pele.
– É pra ligar o ar ou não? – interrompeu o motorista, parado no sinal em frente à Paróquia Imaculada Conceição.
– Pode ligar, por favor. Quem tá com frio, bota casaco. Eu não posso tirar a roupa!
Ah, mermão...
Quer fazer o personagem de frio, todo encasacado e chique?
Vai jogar The Sims!
* Marcos Luca Valentim é jornalista, cronista e poeta
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