Botafogo de Todos os Santos
- Antonio Augusto Brito
- 30 de mai. de 2017
- 2 min de leitura


Esta semana corre a data de três anos desde que Paulo ornou o anelar esquerdo de Léa.
Um casal apaixonado, como bem definem os amigos.
Os dois moram na São Clemente, em frente ao clube Gurilândia.
Mas a pressa de Paulo a passos largos ontem à noite não era de quem ia para casa.
Ele ganhou com velocidade o Largo dos Leões e entrou no condomínio ao lado do bar Palhinha.
Corre à boca miúda que Eliana, sua colega de escritório, é quem faz Paulo correr.
Até porque o relógio já avançava além das oito horas, e o marido de Eliana costuma chegar em casa às dez.
Paulo vinha do trabalho; Eliana folga às segundas-feiras.
Já no apartamento da colega, um caloroso beijo. Mãos em labirintos frenéticos.
A temperatura atinge tal ponto que mal conseguem chegar ao quarto: o epicentro é ali, no corredor, onde Eliana subjuga Paulo e domina-o como a um cavalo de raça.
– A camisinha!
Paulo cata do bolso da calça jogada no chão.
Ele anda vestido e armado com as armas do adultério.
Na TV da sala, William Bonner dá boa noite.
A ação continua.
O forte estalar da porta do elevador no nono andar assusta.
– É o Alan! – desespera-se Eliana.
De um salto, os dois se põem de pé.
Eliana já se enfiou no short que usava minutos antes, e Paulo arruma os últimos botões nas casas da camisa social.
No olho mágico, a constatação: não é o marido de Eliana que vem vindo.
Mas, agora, os dois já estão vestidos. E riem da situação.
– Morreu, né?
– Ah... É, né?
– Semana que vem eu volto.
– Tá bom.
O tchau é seco e maquinal.
Tão logo passou pela portaria, cruzou com Alan chegando.
Mas Alan não sabe quem é Paulo.
Ou pelo menos não deveria saber.
– Ei! Ei! – Alan parou na calçada e se virou para trás a fim de chamar a atenção de Paulo.
Mas, com o ânus bem espremido na mão, o homem acelerou e sumiu nessa neblina que São Pedro nos oferece.
Salvo pelo imaculado santo!
São Pedro. (São) Paulo. São Clemente.
Santo. Adúltero. Fanfarrão.
Um peso, duas mentiras.
Mais à frente, Léa e Paulo se encontraram na portaria.
Paulo disse que se demorou no escritório e deu um beijo na adorável esposa.
Ela com sua bolsa e duas sacolas do Mundial; Paulo com uma camisinha enfeitando-lhe os bagos.
No afã de escapar do flagrante, ele se vestiu antes de despir as partes.
A primeira coisa que fez ao chegar em casa foi ir ao banheiro e dar descarga no divórcio.
Lavou-se rapidamente no bidê.
No mesmo bidê que, naquela manhã, Léa se sentou para fazer um daqueles testes de gravidez.
Deu positivo.
* Marcos Luca Valentim é jornalista, cronista e poeta
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