Me deixa
- Antonio Augusto Brito
- 23 de mai. de 2017
- 2 min de leitura


Voltando da labuta, pego o frescão num sábado à noite.
Sem trânsito, a Barra da Tijuca me permite chegar em casa dentro de uma hora.
Com certo cansaço pra ler, opto pelo fone no ouvido.
O Rappa comendo solto.
Reclino a cadeira, direciono a saída do ar condicionado para o meio da minha face e deixo acontecer naturalmente...
Dormir no frescão é vida.
Mas nem tudo são flores para Joseph Climber.
Passando pela Praia de Botafogo, vejo, de canto de olho, uma criatura olhando na minha direção.
"Não acredito que esse ser humano vai querer falar comigo neste momento tão especial", penso, já transtornado.
Olho pra trás, na esperança de que o homem estivesse falando com outra pessoa.
Mas é comigo. Ele continua olhando pros meus córneos enquanto mexe a boca.
Tiro o fone.
– Tão bom voltar pra casa, né? – diz a criatura, que acabara de se acomodar na poltrona do outro lado do corredor.
– Ô... - respondo, seco como os cabelos da musa Bethânia.
– Ai... Mas eu tô brigado com minha mulher... O clima lá em casa não tá legal... – começou a lamentar, enquanto mexia no celular.
– Hum...
– Passou a noite em claro, hoje saiu cedo de casa... Muito ruim ficar assim. Meu filho tem só dois anos, não entende direito, sabe? É complicado, porque minha mulher deve estar bebendo o dia inteiro... Vai chegar em casa, não vai querer conversar comigo. Quer ver? Ela gosta de complicar as coisas, nunca vi, e blá, blá, blá, blá...
Simplesmente virei pra frente e recoloquei meu fone.
Falcão canta "Me deixa" neste momento.
Ah, bicho... Se quiser falar de amor, fale com o Marcinho!
* Marcos Luca Valentim é jornalista, cronista e poeta
Outros surtos
Comments