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Missão dada é missão cumprida

  • Foto do escritor: Antonio Augusto Brito
    Antonio Augusto Brito
  • 17 de mai. de 2017
  • 2 min de leitura

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Logo pude entender a conversação que tive com um imortal ao visitar o mausoléu da Academia Brasileira de Letras no Cemitério São João Batista. Eu, que nunca ouvi vozes do Além, nem mesmo vozes familiares, me assustei quando um sussurro disparou meu coração.

– Você tem uma missão...

– Mas o que foi isso? Quem está aí?

– Sou eu, o síndico daqui...

– Síndico de mausoléu? Nunca ouvi falar!

Entre impaciente e indignado, ele (sim, a voz era masculina) me respondeu com uma pergunta:

– Quem você acha? O imortal-chefe! Eu, Machado de Assis, fundador da Academia Brasileira de Letras, o bruxo do Cosme Velho, mas que há mais de um século vive aqui em Botafogo.

– Machado de Assis?! Fala sério!

– Menina...

– Menina, eu? Quem dera!

– Bom, pra quem nasceu em 1839, você é uma garotinha...

Eu, que até então estava assustada, relaxei e regozijei-me. Não é todo dia que alguém me chama de “garotinha”... E aí me toquei que não é todo dia que alguém conversa com Machado de Assis!

– Já que o senhor está me elogiando, vou massagear seu ego também... O senhor é meu escritor preferido!

Cansado de ouvir esse tipo de declaração, Machado foi logo ao ponto:

– Menina, eu tenho uma missão para você.

– Missão? Vindo do senhor, só posso ficar orgulhosa de ter sido escolhida. Aliás, nem sei por que logo eu! Conheço tantos mestres que dariam a vida... ops... não vamos exagerar... que dariam quase tudo pra receber uma missão sua... Aliás, o senhor devia bater um papo com professor Lucio Valentim, professor Alvanísio... conheço gente mais qualificada do que eu...

– Menina, quem veio aqui me visitar foi você. A missão agora é sua.

– Então, manda.

Latidos lá fora, um grupo se aproxima. É o professor Milton Teixeira guiando mais uma turma em excursão pelo cemitério.

– Diga logo, seu Machado porque tá chegando gente...

Silêncio no mausoléu. Vozes – vivas – mais próximas. Pronto! Perdi o contato com Machado! E agora? O que ele queria me pedir? Imagina se posso falhar logo com meu ídolo!

O grupo invadiu o mausoléu, e eu fui embora agoniada sem saber que missão era aquela.

Caminhando pra casa pela rua Mena Barreto, passei por uma pizzaria e li a placa: “Entregas a domicílio”. Não resisti. Entrei.

– A senhora é a dona do estabelecimento?

Ela se assustou. Devia estar pensando que eu era fiscal da Vigilância Sanitária.

– Não se preocupe. Não vim inspecionar sua cozinha. Só vim fazer um pedido. Corrige aquela placa lá fora.

Não é “entregas A domicílio”, é “entregas EM domicílio”. A gente não entrega nada A casa, não é mesmo? A gente entrega EM casa.

Aliviada, a senhora, finalmente, sorriu.

– Obrigada, minha filha, vou corrigir, sim.

Fui embora rapidinho antes que desse vontade de comer uma pizza. A balança agradeceu. E eu, já de volta ao caminho de casa, me toquei.

– Era isso! Então, tá! Missão dada é missão cumprida, seu Machado!

 

* Carla Paes Leme é jornalista, revisora e dá aulas particulares de gramática desde a juventude. Atualmente, cumpre, diariamente, a missão dada, do Além, por Machado de Assis: preservar o Português, que, ao menos em Botafogo, há de ser imortal.

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