Não esqueçam Gonzaguinha
- Antonio Augusto Brito
- 16 de mai. de 2017
- 2 min de leitura


Eu mesmo já fui vítima do descuido no metrô.
Assim que foram inaugurados os vagões das mulheres, não raro eu, embalado pelos fones nos ouvidos e pelo inseparável companheiro Sr. Sono, me punha porta adentro do carro feminino.
Às vezes, percebia o engano sozinho; noutras, o segurança educadamente pedia que me retirasse.
Certa vez, uma senhora bem atrevida lançou-me impropérios e esteve prestes a levantar um circo, mas esse episódio deixo para outra terça-feira.
Hoje é dia de falar da Júlia.
Por volta de 8h30, a estação de Botafogo não é das mais cheias - nem das mais vazias.
Eu voltava do muay thai e me dirigia a Copacabana, onde faria alguns exames cardíacos, pois, ao contrário do Anselmo, acredito na morte.
O inconfundível som, acompanhado pelas primeiras luzes no início do trilho, anuncia a chegada do metrô na plataforma.
Bolos humanos se formam nas áreas indicadas para a abertura das portas - o terror dos que vão desembarcar.
(Aliás, quando tentam entrar no vagão em que estou antes de permitirem a saída dos que já estão dentro, eu enrijeço meu corpo ao máximo e me sinto uma avalanche, empurrando os carentes de discernimento porta afora. Perdão, mas não é à toa que escrevo uma coluna com este nome).
Voltando...
Bolos humanos se formam nas áreas indicadas para a abertura das portas – o terror dos que vão desembarcar.
Júlia estava com o pai aguardando para entrar no vagão de adesivos rosas, ao lado do meu.
Entrei.
O metrô demora a sair, e eu, que estou encurralado na porta, vejo dois seguranças passando por mim em direção ao vagão ao lado.
Ponho a cara pra fora pra ver o que acontece, porque sou desses.
– Senhor, por favor... – pede um dos seguranças.
– Eu não vou sair do vagão, já disse! – retruca o homem, revoltado.
– Senhor, ainda está no horário das mulheres... Por favor...
– Eu estou com a minha filha! Minha filha é mulher, ué!
Pelo tom de voz do homem e pela paciência dos seguranças, a previsão era de mais uns 49 minutos até que o imbróglio apresentasse solução.
Mas a sabedoria de Júlia resolveu tudo.
– Papai, mas eu não sou mulher: sou menina.
Os seguranças sorriram e apontaram para Júlia, que beirava os cinco anos de idade.
Sem argumentos, o pai veio para o meu vagão, e as portas se fecharam para que o metrô seguisse viagem.
Pegou Júlia no colo e deu-lhe um beijo na bochecha, sem nada dizer.
Júlia carregava uma revista em quadrinhos da Turma da Mônica numa das mãos.
Eu sorri ao notar.
E percebi que também fico com a pureza das respostas das crianças.
* Marcos Luca Valentim é jornalista, cronista e poeta
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