Anselmo, o Imortal
- Antonio Augusto Brito
- 9 de mai. de 2017
- 2 min de leitura


Cinema de rua é a melhor coisa que tem. Charmoso, clássico e o melhor: não é preciso sucumbir ao caos megalomaníaco de um shopping.
Por isso, sempre que posso, dou um pulo no Espaço Itaú, na Praia de Botafogo – cenário que dispensa comentários e borbulha poesia.
Dessa vez, sozinho, de folga, cheguei às 19h, sem um filme específico em mente.
– Qual a próxima sessão, por favor?
– "Elon não acredita na morte", senhor. Começa às 19h30.
– Me vê uma inteira, por favor.
Eu não fazia ideia do que se tratava a película.
Diametralmente oposto à lógica, não quis pipoca, não: acabara de malhar e estava cheio de Whey Protein no sistema.
Comprei uma garrafa d'água e, aqui, deixo um aviso: revistam seus troncos com titânio. A facada dói. R$ 7.
Acomodei-me lá em cima, fazendo jus à minha fama de Mensageiro do Apocalipse no colégio, ao liderar "a turma do fundão" em sala de aula.
Eis que a cena acontece, instantes antes de a ansiedade das luzes apagadas tomar conta dos cinéfilos:
– Aqui, Anselmo! – grita a mulher, na ponta oposta à minha, para (quem suponho ser) o marido, que subia tentando equilibrar dois baldes de pipoca nos braços.
Anselmo vem vagaroso, desfilando talento no manuseio da abundante iguaria.
Mas suas habilidades não resistiram ao apagar das luzes, e...
... Vi em câmera lenta.
Anselmo, coitado, tropeçou no invisível, fez de seu corpo um chafariz de pipoca, espirrando milhos a metros sem fim, e rolou - isso mesmo: ROLOU, do verbo "se foder" - escada abaixo.
Os mais próximos esticavam os pescoços para ver o pobre homem, que se acabou no chão como um pacote flácido.
Sem graça e sem pipoca.
Imóvel.
Juro: pela brutalidade da queda, a morte do Anselmo não estava descartada naquele momento.
– Anselmo! Anselmo! – desceu em disparada a mulher para socorrer o amado.
– Calma, amor. Eu tô bem – devolveu o marido, já de pé, apenas esfregando o cotovelo com a mão.
– Machucou?! Tá tudo bem?! Fala, Anselmo!
– Sim, amor. Calma... Vou lá comprar mais pipoca e lavar as mãos.
A mulher foi junto, ainda disparando palavras que não consegui mais ouvir.
O filme estava prestes a começar.
"Elon não acredita na morte".
E, pelo visto, Anselmo também não.
* Marcos Luca Valentim é jornalista, cronista e poeta
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