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Desbunde em Bota

  • Lucio Valentim
  • 22 de mar. de 2018
  • 3 min de leitura

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Luiz Carlos Maciel

Há uma palavra curiosa em nossa língua: a bunda. E desbunde deriva dela. Oriunda de nossas heranças africanas, a palavra – que refere à região glútea – ganhou residência fixa e status no português do Brasil.

Caetano Veloso, com sua conhecida baianice, tentaria definir o termo, em Verdade Tropical:

esse nome que a contracultura ganhou entre nós – a bunda tornada ação com o prefixo des- a indicar antes soltura e desgoverno do que ausência – deixava o hip – quadril – dos hippies na condição de metáfora leve demais. Desbundar significava deixar-se levar pela bunda, tomando-se aqui como sinédoque para "corpo" a palavra afro-brasileira que designa essa parte avizinhada das funções excrementícias e do sexo (mas que não se confunde totalmente com aquelas nem com este), sendo uma porção exuberante de carne que, não obstante, guarda apolínea limpeza formal.

E, se desbundar era perder o autocontrole, as estribeiras, tirar o disfarce e causar impacto, houve um tempo em que toda uma geração – mesmo confundida com o que havia de loucura, alienação e vagabundagem – acabou optando pelo desbunde total.

Poetas desbundavam sem sequer saber o significado do termo, mas por imposição dos fervores da época.

No entanto, havia diferença radical entre um poeta marginal e um marginal poeta, uma vez que o desbunde era também ato político, visto enquanto resistência contracultural. E, a despeito de Dops, DOI-CODI e de Fleury, ser desbundado naquele tempo cheirava a algo próximo à felicidade.

Luiz Carlos Maciel, um dos teóricos do desbunde – recentemente morto –, confirma a tese e lembra detalhes do mais importante órgão de divulgação do desbunde à época:

(...) fui procurado por um jovem inglês, Mick Killingbeck (...) Estava conseguindo os direitos da revista Rolling Stone, o maior sucesso nos EUA no gênero, para editá-la aqui. Me escolheu (...) e então passei a ser editor da Rolling Stone no Brasil.

E, para fundar a editora,

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Mick alugou uma casa velha na rua Visconde de Caravelas, em Botafogo, pertinho do primeiro apartamento dos Novos Baianos no Rio e do tradicional restaurante Aurora (...)

O gaúcho Caio Fernando Abreu, suspeitando da doença que mais tarde o mataria, revela em carta à mãe onde ficava sua comunidade de desbundados, aqui no Rio:

Perdi uns oito quilos em menos de dois meses, isso me preocupa um pouco (...) Há tanto a ser feito e ser vivido, e ser escrito que acho besta perder tempo. A casa onde moro é sensacional, tranquilíssima numa ruazinha em Botafogo, com mais três moças e um rapaz gaúcho boníssimos (...)

O bairro de Botafogo era, então, o ideal de consumo de vários adeptos desbundados da contracultura.

De fora do antológico 26 Poetas hoje, era no bairro que a esquecida Ledusha – outra clássica do desbunde – imaginava sua “Felicidade”.

nada como namorar

um poeta marginal

incendiado

uma casinha em botafogo

um quarto uma eletrola

uma cartola

(...)

eu você joão

girando na vitrola

sem parar.

*Lucio Valentim é professor de Literaturas, doutor em Letras Vernáculas e pesquisador visitante no Programa Avançado de Cultura Contemporânea (PACC) da UFRJ

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