Última forma, Cavalão!
- Lucio Valentim
- 5 de ago. de 2019
- 3 min de leitura

No bizarro jargão militar, a expressão última forma, dentre outras várias coisas, pode significar: voltar atrás em ordem dada, interromper uma ação, revogar um comando, abortar uma missão.
Nosso personagem passou 15 anos no quartel: março 1973 a dezembro 1988.
Pouco antes de entrar para a reserva compulsória – e com apoio de renomado veículo de comunicação –, faz publicar um controverso artigo, intitulado “O salário está baixo”.
A referida publicação vem a transgredir dois pilares da estrutura militar: disciplina e hierarquia. Falta grave, portanto. Como resultado, pega 15 dias de prisão:
(...) contou que foi sem uniforme à sucursal da revista em Botafogo — na rua da Passagem, 123, 9º andar. Levou a farda na bolsa, lá a vestiu e posou para uma série de fotos. O artigo tinha sete parágrafos e era um petardo, até então inédito de um oficial da ativa contra as autoridades militares (...)
Neste episódio – e de maneira inadvertida –, o então tenente obteria seus primeiros 15 minutos de fama.
Viveríamos para constatar que esta espécie de famigeração – mais de 30 anos depois – se repetiria em sua história.
E de forma patética para a história nacional.
Na Academia militar seu apelido de guerra era Cavalão. Hoje podemos deduzir por quais motivos.
Só para se ter uma ideia do nível cognitivo – e humano –, o oficial Cavalão passou no exame da Academia com 5,1 em História e 5,3 em Português. Isto é: raspando.
Apenas um ano depois do polêmico artigo e do pessoal agradecimento ao notório meio de comunicação –,
(...) no dia seguinte contou que depois da prisão disciplinar voltou à sucursal de Veja em Botafogo para agradecer (...) pelo artigo e pelas cartas publicadas em edições subsequentes.
fanfarrão e insubordinado que sempre fora, Cavalão já estava envolvido no escandaloso episódio do plano Beco sem saída, no qual, junto a outros aloprados oficiais, planejara explodir bombas por várias unidades militares país afora.
Era puro terrorismo. E de Estado. Como o do Riocentro.
Claro que Cavalão não passava de “massa de manobra”, pois tais ações eram protegidas por colegas de farda – alguns já “de pijama” – insatisfeitos com a onda da tal redemocracia.
Muitos desses colegas, inclusive, circulam pela República ainda hoje.
Ocorre é que Cavalão não privava lá de muita inteligência. E tudo foi bombasticamente revelado e publicado por Veja, que perseguiu – até desmascarar – as eternas mentiras de Cavalão.
O corporativismo militar o preservara da “cana”, contanto que apressasse sua saída da caserna.
Pedisse para sair. Desse baixa. Última forma na carreira.
Escapando da severa condenação militar – e sempre com a ajuda de “forças ocultas” –, Cavalão imediatamente consegue eleger-se vereador. E blá-blá-blá.
O personagem Cavalão é protagonista de O cadete e o capitão: A vida de Jair Bolsonaro no quartel, em que o jornalista investigativo Luiz Maklouf Carvalho nos traz à luz a bizarra cavalgada do zero um da República.
Digo: trajetória.

*Lucio Valentim é professor de Literaturas, doutor em Letras Vernáculas e pesquisador visitante no Programa Avançado de Cultura Contemporânea (PACC) da UFRJ
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