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Botafogo do caos surreal

  • Foto do escritor: Antonio Augusto Brito
    Antonio Augusto Brito
  • 8 de jun. de 2017
  • 2 min de leitura

curta botafogo

I.

O Surrealismo fixou residência consistente em toda a cultura ocidental. Primeiramente manifestado na França de André Breton, o estilo passaria pela Alemanha de Max Ernst, pela Espanha de Salvador Dalí e de Luis Buñel para desembocar em Botafogo – de Vinicius, Murilo e Manoel.

A Balada das duas mocinhas de Botafogo, longo poema de Vinícius de Moraes – antigo morador do bairro, conforme sabemos – introduz uma visão tanto surreal quanto cruel das duas mocinhas pequeno-burguesas do título:

Eram duas menininhas

Filhas de boa família:

Uma chamada Marina

A outra chamada Marília.

Sendo o bairro de Botafogo destacado quase sempre em prosa e verso por sua exuberância natural e pelo centenário charme que circunda seus habitantes, neste poema aparentemente lírico-amoroso, ao contrário do que sugere o início, as mocinhas se prostituem até a morte em trânsito pelas ruas do bairro:

Vinha um bonde a nove-pontos...

Marina puxou Marília

E diante do semovente

Crescendo em luzes aflitas

Num desesperado abraço

Postaram-se as menininhas.

curta botafogo vinicius

II.

Manoel de Barros – o poeta da desinvenção do mundo, da linguagem das descoisas e do transver – via a poesia como verdadeiro ritual de existência. Cultor do espanto, o pantaneiro mato-grossense viveu boa parte da infância no Rio, onde aprendeu de fato a poetar. E, claro, nunca deixando de lado suas origens matutas, eternizou(-se) (n)o bairro em sua nostálgica, surreal e triste Enseada de Botafogo:

Ser menino aos trinta anos, que desgraça

Nesta borda do mar em Botafogo!

O Pantanal prova, à beira-mar, que só a verdadeira Poesia pode demonstrar tão doído assim o paradoxo da triste alegria:

Que vontade de chorar pelos mendigos!

Que vontade de voltar para a fazenda!

Por que deixam um menino que é do mato

Amar o mar com tanta violência?

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III.

Já Murilo Mendes, no Brasil, parece ser o que melhor representou o surrealismo nas letras e, embora bom mineiro, o poeta – com pinceladas absurdamente inusitadas – pintou no poema Botafogo a história do local desde a sua pré-história, mesclando o mito de criação à própria natureza do bairro,

Desfilam algas sereias peixes e galeras

E legiões de homens desde a pré-história

Diante do Pão de Açúcar impassível

encerrando com a descrição do caos do espaço urbano – da Colônia aos arranha-céus –, tudo isso em flashes líricos, enigmáticos e surreais:

A filha do português debruçou-se à janela

Os anúncios luminosos leem seu busto

A enseada encerrou-se num arranha-céu

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*Lucio Valentim é professor de Literaturas, doutor em Letras Vernáculas e pesquisador visitante no Programa Avançado de Cultura Contemporânea (PACC) da UFRJ

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