Elizeth Cardoso, a Divina, morou em Botafogo
- Antonio Augusto Brito
- 25 de jul. de 2018
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Elizeth Moreira Cardoso foi uma das maiores cantoras da música popular brasileira de todos os tempos. Entre os admiradores da “Divina”, encontravam-se Jacob do Bandolim, que a descobriu em uma festa de aniversário; Edith Piaf, que a aplaudiu de pé, durante um show no Copacabana Palace; a diva norte-americana Sarah Vaughan, com quem Elizeth se apresentou algumas vezes; o maestro Quincy Jones, que tinha todos os seus discos; Vinicius de Morais e Tom Jobim, que emprestaram várias canções para o disco de Elizeth “Canção do amor demais”, considerado o marco inicial da bossa nova. Elizeth nasceu pobre e sempre batalhou muito. Foi somente na década de 1950 que a carreira dela começou a deslanchar. E foi nessa mesma época que ela se mudou para o bairro de Botafogo.
Nascida em 16 de julho de 1920 – numa casa de cômodos no bairro de São Francisco Xavier, perto do morro da Mangueira, zona norte do Rio –, Elizeth teve que trabalhar desde os dez anos de idade para ajudar nas despesas da casa. Foi balconista, funcionária de uma fábrica de saponáceos, cabeleireira e vendedora de cigarros. A vida só começou a melhorar quando completou 16 anos. Em sua festa de aniversário, na casa de um tio, Elizeth cantou acompanhada de Jacob do Bandolim e seus músicos, amigos da família. Jacob ficou impressionado e a apresentou à Rádio Nacional, que a contratou. Mas o dinheiro não era suficiente, e Elizeth complementava o salário se apresentando em circos, clubes e cinemas. Trabalhou também como taxi-girl do Dancing Avenida – espécie de salão de danças em que homens pagavam pela parceira a cada música que dançassem – e, mais tarde, como crooner.
Mudança para Botafogo

No início da década de 1950, Elizeth Cardoso se apresentava em boates e casas de show, e foi numa dessas casas – a boite Casablanca, na Praia Vermelha – que a sorte dela começou a mudar para melhor. No dia 8 de junho de 1953, estreou o espetáculo “Feitiço da Vila”, inspirado na obra de Noel Rosa, que havia conhecido no início da carreira no rádio. Além de Elizeth, faziam parte do espetáculo Silvio Caldas, Blecaute, Grande Otelo, Jardel Filho e artistas da noite. A boate Casablanca era frequentada pelos mais importantes jornalistas da cidade, e foi assim – com as críticas favoráveis na imprensa – que Elizeth finalmente começou a ser conhecida pelo público da Zona Sul.
Em 1956, ela se mudou com a família – a mãe dona Moreninha; a filha adotiva Teresa Carmela e esposo; o filho Paulo Valdez que teve com o músico Ari Valdez; e, algum tempo depois, a amiga pernambucana Maria de Lurdes Souza – para o apartamento 402 da rua Voluntários da Pátria 127. O moderno edifício havia sido inaugurado naquele ano em Botafogo e fora projetado pelo famoso escritório de arquitetura dos Irmãos Roberto, responsável também pelos projetos do prédio da Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e do Aeroporto Santos Dumont. A mudança de Bonsucesso para Botafogo levou a carreira de Elizeth a um novo patamar. Elizeth – que se dividia entre o rádio, as gravações de discos e as apresentações em hotéis, boates e casas de espetáculo, na Zona Sul ou no Centro – agora estava mais disponível para novas oportunidades.
Enquanto Elizeth Cardoso fazia aquele movimento do subúrbio para a zona sul, cantando com igual desenvoltura choro, samba ou bossa nova, jovens artistas como Beth Carvalho e Nara Leão, inspiradas em Elizeth, faziam o percurso inverso, buscando a música nos subúrbios e nos morros.

Àquela altura Elizeth Cardoso já era a “Divina” – epíteto lançado pelo amigo Haroldo Costa –, e suas apresentações, no Brasil e no exterior, eram garantia de público certo. Em um dos muitos momentos antológicos de sua carreira, Elizeth, uma cantora de música popular, interpretou, em 1964, "Bachianas brasileiras" – obra erudita de Heitor Villa-Lobos – nos teatros municipais do Rio e de São Paulo, arrancando aplausos demorados do público. Em outra apresentação, no Teatro João Caetano – um show beneficente em 1968 que tinha como objetivo arrecadar fundos para o Museu da Imagem e do Som –, Elizeth cantou com Jacob do Bandolim, o conjunto Época de Ouro e o Zimba Trio para quase 1.500 pessoas, que, ao final, os aplaudiram de pé por 15 minutos. A gravação do show gerou dois discos memoráveis.
Outro grande espetáculo aconteceu em 1973, no Canecão, casa de shows e cervejaria de Botafogo. O show “Elizeth-Baden”, em homenagem a Elizeth e ao parceiro, o violonista Baden Powell, ficou em cartaz com casa lotada de 1º de abril até o fim de agosto, todas as semanas, de quarta a sábado, batendo o recorde que antes pertencia a Roberto Carlos. O espetáculo tinha direção de Bibi Ferreira, roteiro de Paulo Pontes, Flávio Rangel e Sérgio Cabral, e participação de mais de 100 profissionais, entre orquestra, coro e bailarinos.
Quando Elizeth Cardoso morreu, no dia 7 de maio de 1990, na Clínica Bambina, em Botafogo, ela já não morava mais no bairro. A cantora deixou uma obra de 40 LPs gravados – muitos deles lançados em Portugal, Venezuela, Uruguai, Argentina e México –; espetáculos inesquecíveis e interpretações únicas, em mais de 50 anos dedicados à música. Fonte bibliográfica: "Elisete Cardoso: uma vida", do jornalista Sérgio Cabral.
* Antonio Augusto Brito é jornalista e adora história do Brasil
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